O Processo de Impeachment e a Moção de Censura nos governos parlamentaristas
Por Ageu Avelino Rodrigues Júnior
18/11/2018

 

Ageu Rodrigues (*)

               O presente artigo tem por objetivo analisar os paralelos entre o processo de impedimento do chefe de Estado e de governo brasileiro com a moção de censura nos regimes parlamentaristas, à luz da recente moção aprovada por Sri Lanka e a iminência de que o governo da primeira-ministra britânica Theresa May venha sofrer na próxima semana.

Como é de conhecimento de todos (portanto o articulista se absterá de entrar em maiores detalhes sobre o episódio), a presidente da república Dilma Rousseff perdeu o mandato em 2016, após o Senado Federal a considerar (por maioria de 2/3) que ela era culpada de crime de responsabilidade. Tal procedimento a qual a então mandatária brasileira foi submetida encontra guarida nos arts. 85 e 86, da CF/88, bem como na Lei nº 1.079/1950.

Enquanto o art. 85 da Lei Fundamental Brasileira dispõe sobre os crimes de responsabilidade do presidente da república, o art. 86 trata sobre seu procedimento e foro de competência: o Supremo Tribunal Federal, em caso de crime comum, e o Senado Federal, em caso de crime de responsabilidade.

Nota-se que, mesmo em caso de crime comum (portanto, sujeito a julgamento judiciário, e não político - como no caso do processo de impeachment), a acusação deve ser admitida pelo 2/3 da Câmara dos Deputados. Vimos a aplicação prática desse rito em junho de 2017, quando o presidente Michel Temer tornou-se o primeiro chefe de Estado a ser acusado por crime comum no exercício do mandato.

Tanto na hipótese de crime comum quanto de responsabilidade, caso a Câmara dos Deputados aceite a denúncia contra o presidente, este é afastado por 180 dias de suas funções - a elas retornando caso seja inocentado ou o processo (no Senado Federal ou STF, conforme o caso) se delongar além deste prazo.

Resumindo, trata-se de um procedimento oneroso, exaustivo e traumático - uma ação que paralisa o País como um todo e polariza a sociedade, além de estar sujeita a um rol taxativo de hipóteses. Não se vislumbra, por exemplo, o afastamento ou perda de mandato do presidente por incapacidade gerencial - como no recente episódio da greve dos caminhoneiros, ocorrida em maio.

Ademais, para que o presidente brasileiro possa ser processado e julgado, depende de quórum qualificado da Câmara dos Deputados - o que acirra o clientelismo existente no presidencialismo de coalizão, consolidado após a redemocratização e merecedor de toda a censura e crítica deste articulista.

No caso do impeachment de Dilma Rousseff, sua patente inépcia política permitiu que seu vice-presidente se articulasse com partidos da oposição e de centro, pavimentando o caminho para sua remoção; já no caso de Michel Temer, ocorreu justamente o contrário - sua habilidade em jogar com o Congresso evitou sua queda, mesmo após ter sido alvo de duas denúncias da Procuradoria-Geral da República.

Já diferentemente do processo de impeachment do sistema presidencialista brasileiro (e de outros países que o adotam), na grande maioria dos regimes parlamentaristas temos a existência do voto de desconfiança, ou moção de censura.

Como no sistema parlamentarista a governabilidade repousa necessariamente na confiança do parlamento no gabinete, quando este não mais demonstra capacidade para continuar administrando a nação, o legislativo detém a prerrogativa de demitir o chefe de governo (e consequentemente, todo o gabinete por ele criado), substituindo-o por outra pessoa que possa atender as expectativas frustradas pelo censurado.

No exemplo britânico, a primeira-ministra Theresa May corre o risco de ser demitida do governo, caso o Partido Conservador reunir as 48 adesões parlamentares necessárias para se convocar uma moção de censura. Trata-se de uma resposta institucional legítima à sua incapacidade em negociar a retirada do Reino Unido da União Europeia (Brexit), que pode levar a economia britânica à recessão no próximo ano.

Na República Tcheca, a oposição no Parlamento convocou nessa  segunda semana de novembro de 2018 um voto de não-confiança contra o primeiro-ministro, por conta de revelações impactantes feitas pelo filho do chefe de governo tcheco.  Também nessa semana, o presidente do Sri Lanka (antigo Ceilão, localizado no Subcontinente Indiano) aprovou no dia 16 de novembro, após segunda votação, o voto de censura aprovada pelo parlamento do país contra o primeiro-ministro, após uma sessão tumultuada, mas seguindo os trâmites previstos na legislação pertinente.

Nesses casos, nota-se que a demissão do chefe de governo nos regimes parlamentaristas, diferente do que ocorre no Brasil, independe da prática de crimes (sejam eles de responsabilidade ou comuns) - basta que o legislativo perca sua confiança na habilidade da pessoa à frente do governo para substitui-la.

Muitos críticos ao modelo parlamentarista alegam (seja por desconhecimento ou má-fé) que este sistema de governo não é democrático, haja vista que a administração do País estaria a cargo de um primeiro-ministro aprovado pelo parlamento, e não por voto popular - em tese, o presidente não teria poderes para governar (atuando como chefe de Estado, sem poderes decisórios maiores).

Nada mais errôneo!

Em primeiro lugar, não se pode perder de vista que os integrantes do Congresso Nacional (Câmara e Senado) são eleitos por voto popular - portanto, são os representantes do povo quem teriam a prerrogativa de escolher o chefe de governo (e este, nomear os ministros que comporiam o gabinete nacional). Em segundo lugar, o presidente da república abrindo mão dos poderes decisórios sobre a administração teria o condão de transformá-lo em moderador político, atuando para garantir o equilíbrio institucional dos Poderes Constitucionais.

Basta ver que, dos quatro presidentes eleitos desde a redemocratização, dois (Collor e Dilma) foram removidos do cargo antes de completarem seus mandatos - o que demonstra a instabilidade do regime presidencialista inaugurado com a Constituição de 1988.

Dentre os críticos do regime parlamentarista, há aqueles que apontam o exemplo italiano - onde em 70 anos, houve 67 trocas de governo (que duram em média um ano). No entanto, cabe a este articulista citar o exemplo alemão (modelo de estabilidade parlamentarista - vide o governo Merkel em seu quarto mandato sucessivo) ou português (onde o presidente é eleito por sufrágio universal, atuando como fiscal do governo - que é exercido pelo primeiro-ministro).

O que se extrai dos exemplos parlamentaristas elencados acima, é que neste regime de governo rotatividade e estabilidade caminham de mãos dadas - o governo não se torna menos legítimo por sua duração efêmera, nem mais democrático se o presidente é eleito por voto direto ao invés de escolhido pelo parlamento.

O que se deve salientar é que, diferentemente do modelo adotado pelo Brasil (em que o presidente somente pode ser retirado do poder em caso de prática de crime, mediante trabalhoso processo de julgamento), nos países parlamentaristas sacrifica-se os governantes pela estabilidade do governo - seus líderes são facilmente removidos da administração, sem que as instituições sejam abaladas ou mesmo questionadas.

Este articulista desconhece, por exemplo, informações sobre primeiros-ministros censurados pelo respectivo parlamento que tenham acionado a justiça para se manter no poder; já no Brasil, vimos a quantidade de ações judiciais impetradas pela antiga presidente e seu partido contra o processo de impeachment  - que seguiu literalmente o disposto na Constituição Federal, na lei e na jurisprudência do STF.

Além disso, como a manutenção do governo está condicionada à maioria parlamentar, eventual derrota eleitoral importa em substituição do gabinete - foi o que aconteceu em setembro na Suécia, quando o primeiro-ministro Stefan Löfven foi censurado, após seu partido não ter logrado êxito em obter maioria nas eleições.

Esse sistema impede, por exemplo, as famigeradas "pautas-bombas" do Congresso - aprovando medidas de elevado custo econômico e pressionando o presidente da república, o que gera instabilidade política; como o governo é vinculado ao parlamento, não é do interesse deste desafiar o gabinete com medidas gravosas que se revertem em prejuízo à sociedade em geral (vide o recente aumento dos ministros do STF, que podem gerar gastos adicionais de R$ 6 bi no próximo ano).

Por estas e outras razões é que este articulista reafirma seu compromisso com o sistema parlamentarista de governo (ou mesmo com o sistema diretorial de origem suíça, conforme já explanado no artigo O PARLAMENTARISMO E A ALTERNATIVA DIRETORIAL), em detrimento do já ultrapassado presidencialismo de coalizão brasileiro que pouco tem rendido à Nação em termos de estabilidade institucional e tantas crises tem nos ofertado nas últimas décadas.

É chegado o momento de reavaliarmos o curso que temos seguido desde 1988 (e que somente não foi alterado pela Assembleia Constituinte, por pressão política do então presidente José Sarney) e discutirmos seriamente que País queremos legar às futuras gerações de brasileiros!

(*) O autor, Bel em direito, é membro do Conselho Deliberativo do MPB, e representa o MPB na cidade de São Paulo -SP até a criação da Representação naquela cidade.

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