O PARLAMENTARISMO E A SEDUÇÃO TOTALITÁRIA

 Bel Ageu Avelino Rodrigues Júnior (*)

Este ano de 2018 será um ano de desafios. Que ninguém, em momento algum, se iluda quanto a isso. Afora os desafios econômicos, procurando romper com a espiral de desemprego e recessão que nos abateu fortemente, minando nossa confiança no sistema capitalista, temos um grande desafio que terá seu ápice em outubro - mas cujos efeitos poderão repercutir pelos anos vindouros, para bem ou para o mal.

O mês de outubro marcará o fim de uma transição que por sua vez encerrou uma era em nossa História - quando pudemos ter um ligeiro e breve vislumbre de como é viver num país desenvolvido, de pleno-emprego e bem-estar social; mas que o desenrolar dos acontecimentos provou ter sido construído sobre falsos alicerces e baseado naquele que talvez venha ser o mais nefasto esquema de corrupção já vivenciado pela nossa História.

Independentemente de qualquer orientação política que o leitor se alinhe, se de esquerda, de centro ou de direita, a verdade é que o apagar das luzes deste corrente ano terá o condão de mudar sobremaneira a realidade política transitória em que vivemos neste momento.

Que ninguém tenha a ilusão de que, caso as forças políticas de outrora regressem ao poder, a situação econômica, política e social retomará os patamares de excelência experimentados outrora - a realidade é (e será) outra, e a política também será (ainda que protagonizada pelos mesmos atores).

Todavia, ao lado da possibilidade real de que as forças político-partidárias despejadas dos corredores do poder e lançadas ao ostracismo possam mais uma vez ressurgir, como a mitológica Fênix, observamos o crescimento de outra corrente política -  ou melhor, outras aspirações políticas: o totalitarismo.

Na segunda metade do ano passado, uma pesquisa de opinião revelou algo que simplesmente é aterrador: 43% da população brasileira apoia uma intervenção militar no governo; isso representa um universo de quase 90 milhões de pessoas favoráveis à ruptura da ordem democrática - seduzidas pelo discurso da ordem pela ordem, de que apenas a força pode acabar com os problemas de nossa Nação.

Ledo engano!

Nossa democracia é falha. Que nenhuma dúvida reste sobre essa assertiva. O fato de nos mobilizarmos em defesa de um sistema político de governo diverso do que atualmente rege nossa Nação é prova inequívoca de nossa convicção. O fato de defendermos o modelo parlamentarista para nosso País atesta nossa concepção da realidade política brasileira.

Nossa democracia é falha!

Mas qualquer sugestão de mudança que não passe obrigatoriamente pelas vias democráticas em nada solucionará os problemas que atravessamos. A alternativa totalitária NUNCA fez bem algum para qualquer povo, para qualquer nação, em qualquer época da História - e esta é pródiga em exemplos a serem estudados e refletidos.

Como Winston Churchill disse: "Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos".

Como já tive a oportunidade de discorrer em outro artigo, creio não ser desejo de ninguém no Movimento Parlamentarista Brasileiro criar um sistema de governo perfeito - mas apenas que seja bom o bastante para atender os interesses maiores do povo brasileiro. E para isso, a ÚNICA alternativa é a democracia.

Nossa democracia é falha, mas a única forma de corrigi-la é através do regime democrático; não há registros históricos de que alguma nação que já tenha experimentado a democracia e posteriormente trilhado o caminho do autoritarismo, tenha se tornado maior e melhor do que antes - o contrário, por seu turno, é regra na História; mas diferente das regras usuais, esta não conheceu exceções bem-sucedidas.

Ninguém, seja parlamentarista ou presidencialista, republicano ou monarquista, se deixe enganar por discursos de força ou por palavras de ordem. Qualquer que seja o resultado das eleições vindouras, um resultado será certo: não teremos um Salvador da Pátria! Nenhum dos eleitos, independentemente da ideologia que siga ou do partido a que pertença, terá poder de nos livrar dos males que há tantas décadas, quiçá séculos, nos aflige como povo e como Nação - nós elegeremos um Chefe de Estado e de Governo.

Apenas isto!

Qualquer um que prometa fazer aquilo que as competências constitucionais de seu cargo não lhe permitam, não tem outro interesse que não se beneficiar do poder em causa própria. Mas, se o problema reside nas limitações constitucionais da natureza do cargo a ser ocupado, por que não abolir o presente sistema e adotar um regime de força - que possa, sem tais limitações, corrigir todos os males que tanto nos aflige?

Porque as limitações constitucionais servem para uma única finalidade ? e essa serve para qualquer forma ou sistema de governo: para que o poder seja exercido com responsabilidade.

E quando o poder é exercido SEM responsabilidade, este gera corrupção. E creio já termos o suficiente desse mal para lidarmos por uma geração inteira, para procurarmos com nossa própria vontade uma porção ainda maior.

O grande diferencial do parlamentarismo é que o poder pode ser exercido com responsabilidade, perante o povo e perante seus legítimos representantes eleitos - mas mesmo este sistema não é imune à sedução totalitária: como a Itália, a Espanha e a Alemanha nos mostraram há quase cem anos!

Se três nações parlamentaristas sucumbiram ante às forças do fascismo e contribuíram para mergulhar o mundo na mais terrível hecatombe de que se teve notícia até então, o que dirá de um país presidencialista, cujo supremo mandatário tem em suas mãos uma grande parcela de poder - que pode ser exercido sem qualquer responsabilidade, ante a omissão do legislativo, que de fiscal, torna-se cúmplice dos atos do Chefe da República (como tantas vezes pudemos ver)?

No século vinte, tivemos a infelicidade de experimentar por duas ocasiões distintas a experiência totalitária que muitos desejam nestes tempos presentes: sob o jugo de Getúlio Vargas, durante o Estado Novo (laureado recentemente com o título de Herói da Pátria); e depois, na esteira da Guerra Fria, através dos militares (com as bênçãos do Parlamento, cabe mencionar!).

Duas experiências totalitárias, separadas entre si por cerca de duas décadas. Épocas diferentes, contextos históricos diferentes - mesmos modus operandi, com os mesmos resultados desastrosos para o povo. Creio para mim, estudando atentamente os exemplos que a História nos legou, que esse não é o caminho a ser seguido.

Por isso, antes de nos deixarmos seduzir pelo discurso totalitário, temos que nos debruçar sobre a História e refletirmos claramente quanto ao tipo de Nação que queremos legar às futuras gerações - e creio que uma nação onde pensar diferente ou discordar da maioria pode levar à prisão ou mesmo à morte, não é o caminho mais adequado para nossos filhos e netos, não importa quantos defeitos nossa democracia tenha ou quantos problemas estejamos enfrentando.

Esses têm sido dias sombrios para nossa amada Nação. Dias em que nossa fé inabalável em nosso grandioso País parece se abalar, diante de tamanhos escândalos que desafiam nosso amor e nosso patriotismo. Dias em que até mesmo podemos, no íntimo do nosso ser, possamos nos envergonhar de nosso País - tamanha a afronta aos valores éticos e morais que assistimos nesses dias tempestuosos.

Mas não podemos desistir do Brasil. Nós somos brasileiros, não desistimos nunca. Não podemos nos render, baixar as armas e desistir sem lutar. Alguns podem dizer que o Brasil não tem solução, que não haverá melhora e que não adianta continuar lutando. Pois eu digo que quando nossa esperança acabar, quando finalmente sucumbirmos às forças que querem destruir essa Nação, nesse dia perderemos nossa identidade como povo; pois nesse dia o mal terá finalmente triunfado.

Como Edmund Burke disse: "A única coisa necessária para o triunfo do mal é que os homens bons não façam nada", se desistirmos de lutar por um Brasil melhor e mais justo, o mal finalmente triunfará sobre todos nós. Por isso não podemos nos omitir diante da crise, que ameaça nossos valores patrióticos e mancha nossas mais nobres virtudes democráticas.

Não podemos desistir, mesmo quando a luta possa parecer impossível, mesmo quando os desafios possam ser insuperáveis; nós temos que continuar lutando sem tréguas, por um Brasil mais justo, por um Brasil mais livre, por um Brasil mais rico.

Temos que continuar lutando com as armas que dispomos - as únicas que governo algum, ditador algum, tem o poder de tirar de nós: a arma da democraciaque é a voz do povo. Pois quando o povo ergue sua voz, governos caem e a Nação estremece. E se nosso povo tivesse ciência do imenso poder que têm, do imenso potencial que esta grandiosa Nação tem, jamais teríamos chegado aonde chegamos.

Por isso, temos um dever com nossa Nação; como cidadãos, como brasileiros. Temos o dever de defender nossa democracia que, mesmo não sendo perfeita, é melhor que a alternativa totalitária que tende a querer seduzir nossos jovens e nos dividir como povo.

Portanto, cabe a nós, cidadãos de bem, despertar o povo à luta, tirá-lo de sua zona de conforto e mostrar que um Brasil melhor é possível, que o Brasil do futuro pode ser construído hoje, por nós... por todos.

Pois quando o julgamento da História recair sobre nós, por esses dias sombrios que estamos atravessando, poderemos ser lembrados como aqueles que não se renderam, mas lutaram por um País melhor - para as presentes e futuras gerações. Como Abraham Lincoln disse, em Gettysburg, "para que o governo do povo, pelo povo e para o povo não pereça da face da Terra".

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(*) Bacharel em Direito e Representante do MPB na cidade de SP

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