Quem foi Milton Campos?
Por Fundação Milton Campos
09/11/2010

Confiança na liberdade. Assim deve ser resumida a herança política do parlamentar, governador de estado e líder
partidário Milton Soares Campos, cujo nome honra a fundação de estudos políticos do Partido Progressista. Uma
confiança inabalável nos frutos da liberdade, vivida com mineira modéstia ao longo de décadas difíceis da vida
brasileira quando muitos estiveram dispostos a sacrificar a lei e a justiça em nome de caminhos mais curtos para o
desenvolvimento social e econômico do Brasil.

Sua mensagem de liberdade ao longo desses anos turbulentos nada teve, porém, de utópica ou bacharelesca. Foi
traduzida na obra de um administrador público visionário e criativo em Minas Gerais e em uma reputação respeitada
de honestidade pessoal na gestão da coisa pública. Como qualquer político, ganhou e perdeu eleições; foi nomeado
e pediu demissão de posições ministeriais. Políticas e políticos têm seu tempo e passam. O compromisso de Milton
Campos com a liberdade ainda é, contudo, o nosso.

Os primeiros passos de sua vida têm um sabor familiar para os que conhecem a política mineira da primeira metade
do século XX. Nascido em Ponte Nova a 16 de agosto de 1900, filho de Francisco de Castro Rodrigues Campos e de
Regina Soares Campos, Campos iniciou sua carreira acadêmica na Faculdade de Direito, em Belo Horizonte, atual
Faculdade de Direito da UFMG, em 1918 e já se viu envolvido em eleições. Apoiou as candidaturas de Francisco Sales
ao governo de Minas Gerais, e de Nilo Peçanha, para a presidência da República, candidatos da Reação Republicana,
ambos derrotados.

A partir do envolvimento com a política partidária, outras conexões eram inevitáveis nas Minas Gerais dos anos
1920: com o jornalismo e a literatura. Milton Campos pertencia aos mesmos meios onde circulavam o poeta
Carlos Drummond de Andrade e os futuros políticos Afonso Arinos de Melo Franco e Gustavo Capanema. Em 1925,
era um jornalista profissional, com atuação marcante na direção dos Diários Associados em Minas, colaborando
simultaneamente com os jornais "O Estado de Minas" e "Diário de Minas".
Como tantos intelectuais e políticos de sua geração, Milton Campos desiludiu-se com as práticas eleitorais da
República Velha e saudou a Revolução de 1930 e a emergência de Getúlio Vargas. Fez parte da Legião Mineira,
organização de apoio à Revolução, e foi nomeado advogado geral do estado de Minas Gerais em 1932. Naqueles anos
iniciais de otimismo e esperança nas promessas democráticas de Vargas, Milton Campos pavimentou a primeira fase
de sua carreira política.

Em 1934, elegeu-se deputado estadual constituinte pelo Partido Popular (PP), agremiação situacionista tanto a nível
estadual como federal, e permaneceu na Assembléia Legislativa até 1937, quando todas as casas legislativas do país
foram fechadas pelo golpe do Estado Novo (1937-1945).

Como tantos outros liberais brasileiros, Milton Campos protestou e denunciou o golpe de Vargas, mas resignouse ao "silêncio dos vencidos" dedicando-se ao ensino e à advocacia durante os primeiros anos do Estado Novo. Foi
presidente da seção mineira da OAB e advogado da Caixa Econômica Federal.

Os sinais, contudo, de que tempos de liberdade estavam por vir eram fortes. As ditaduras nazista e fascista
começavam a ser derrotadas na Europa e o Brasil engajara-se na II Guerra Mundial ao lado dos Estados Unidos. A
mudança de regime e a instalação da democracia eram uma questão de tempo e Milton Campos foi signatário do
documento político que anunciava essa mudança: o Manifesto dos Mineiros, divulgado em outubro de 1943, com
críticas ao estado autoritário. A ditadura de Vargas não deixou impune o gesto e Milton Campos pagou um preço
pessoal pela assinatura, sendo demitido da Caixa Econômica Federal.

No espaço de pouco mais de um ano, contudo, os eventos se aceleraram. A guerra mundial terminou na Europa,
as tropas brasileiras retornaram ao país e a ditadura entrou em colapso. Vargas ainda ensaia uma tentativa de
continuísmo, mas as eleições terminam sendo impostas por uma aliança de forças políticas e militares. Eleições,
seguidas da instalação de uma Assembleia Constituinte. Começa a organização de um novo sistema partidário no
Brasil.

Em 1945, com a normalização democrática, Milton Campos ajudou a fundar a União Democrática Nacional (UDN),
partido que unia a oposição das classes médias urbanas e de setores tradicionais ao Estado Novo na defesa de uma
plataforma de reformas, liberalismo e democracia. Foi um dos autores de seu programa e no pleito de dezembro
daquele ano, elegeu-se deputado federal constituinte, passando a desempenhar o mandato com desenvoltura e
inteligência e tornando-se rapidamente um líder político nacional.

O sucesso de sua atuação na Câmara dos Deputados deu origem ao candidato a governador de Minas Gerais. Várias
forças políticas se uniram à UDN para lançá-lo na disputa, formando talvez a mais ampla coalizão nas eleições de
1947. O apoio à sua candidatura ia do Partido Republicano aos dissidentes do Partido Social Democrático (PSD),
passando por integralistas e comunistas. Tornou-se um símbolo político, uma resposta do eleitorado de Minas Gerais
aos anos de ditadura.

Eram anos de esperança na ação política. De um lado, sua campanha dispunha de poucos recursos e assumira
mesmo um aspecto folclórico, contando com uns poucos militantes percorrendo o interior de Minas Gerais para
divulgar o nome de Milton Campos. De outro, experimentava-se a força de uma mensagem esclarecedora, lúcida e
inovadora de um político com visão social, que pregava uma nova semente de progresso para Minas Gerais.
Enquanto isso, as forças governistas se dividiam. O grupo getulista forçou o lançamento de Bias Fortes pelo PSD,
nome que desagradara tanto ao presidente Gaspar Dutra como a amplos setores de seu próprio partido. A campanha
udenista foi assim crescendo com vários apoios e de "quixotesca" passou a vencedora.
Uma vez eleito, Milton Campos teve no Palácio da Liberdade uma chance rara. Candidato de oposição, comandando
um partido político novo e sem vícios, ele pode colocar em prática toda a sua visão social e empreendeu uma das
melhores administrações da história de Minas Gerais. Fixou um padrão elevado de comportamento político que não
tardaria a ser imitado por outros célebres governadores do estado.

Investiu na construção de escolas primárias, melhorando o nível e a qualidade do ensino, e fortaleceu o ensino
agrícola de nível superior. Autorizou a emissão de apólices da Dívida Interna Fundada do Estado a fim de obter
recursos para um Fundo Universitário e levou à frente o movimento pela criação da Universidade de Minas Gerais.
Outra iniciativa importante foi a democratização do ensino médio em Minas por meio da criação de uma rede de
ginásios gratuitos. No campo social, o Departamento da Criança também foi outra realização do governo de Milton
Campos que estabelecia uma política mais sistemática para a questão da assistência às famílias mais pobres.
Sua marca distintiva, contudo, é no campo econômico. Deu início ao planejamento para a criação da Companhia
Energética de Minas Gerais ? Cemig. Nesse ponto, não se tratava apenas de criar uma empresa estatal de
eletricidade, mas de integrá-la a um programa de desenvolvimento industrial de Minas Gerais.

O início da industrialização sob o Estado Novo havia criado mal estar em Minas Gerais. O minério de ferro era extraído
no estado, mas o aço era produzido na cidade de Volta Redonda, no Rio de Janeiro. Os grandes rios estavam em
Minas Gerais, mas a primeira grande hidrelétrica federal fora construída no Nordeste. A indústria era vista como a
saída para o estado, o caminho para superar a economia agrícola e mineradora. Para isso, contudo, eram necessárias
infraestrutura e energia. Foi essa missão que assumiu o governo Milton Campos em Minas Gerais.

Foi criada uma taxa de Serviços de Recuperação Econômica para a constituição de fundos para o Plano de
Recuperação Econômica e Fomento da Produção. O Plano previa até mesmo o levantamento da carta agrogeológica
de Minas, que serviria de base para a distribuição racional das culturas e técnicas agrícolas. Instituiu também a
assistência itinerante aos agricultores para melhorar a qualidade de mão-de-obra agrícola. O setor pecuário contava
com a colaboração de cinco laboratórios para fabricação de vacinas e três outros para inseminação.

A adoção das técnicas e princípios do planejamento econômico pela gestão de Milton Campos revela não apenas
a sua compreensão do papel do setor público naquele momento específico da economia brasileira, mas a sintonia
adequada com os princípios liberais. O Estado deveria concentrar-se onde sua ação é realmente necessária e efetiva.
Através da Lei nº 310, regulamentou a formação de sociedades de economia mista para a construção e exploração
de centrais e usinas hidrelétricas. A participação do governo ficava definida por meio da subscrição de ações e
da emissão de títulos da dívida pública. Foi criado também o Fundo de Eletrificação para prover recursos para a
execução do Plano Estadual de Eletrificação, que começaria pela usina de Salto Grande.

Não era essa, contudo, a única idéia moderna da gestão Milton Campos. Ele também decidiu fazer chegar à
administração estadual o esforço de profissionalização em curso no plano federal. Em 1948, ele criou o Departamento
de Administração para racionalizar e modernizar a burocracia estadual e combater o empreguismo.

Ao terminar seu governo, impressionava a comparação com a gestão também encerrada do presidente Dutra. Em
ambos os governos, federal e mineiro, grupos considerados liberais dominaram as áreas chave da administração. No
plano federal, contudo, uma administração hesitante promoveu idas e vindas na política econômica e um experimento
limitado de planejamento econômico. Em Minas Gerais, uma gestão consagrada pelos bons resultados, pela criação
de uma moderna empresa estatal e pelo compromisso com a industrialização.

Em 1951, a transferência de poder ao novo governador, Juscelino Kubitschek, eleito pelo PSD, revela-se simbólica.
Kubitschek elegerá o caminho aberto por Milton Campos, primeiro em Minas Gerais, depois no Brasil.

O reconhecimento político do eleitorado seria confirmado em outubro de 1954, com seu retorno à Câmara dos
Deputados. Já consagrado como homem público, Milton Campos assumiu, em abril de 1955, a presidência nacional da
UDN e foi lançado candidato à vice-presidência da República, na chapa encabeçada pelo general Juarez Távora.
Após os golpes e contragolpes do ano de 1955, a derrota para a chapa composta por Juscelino Kubitscheck e João
Goulart levou a UDN e também Milton Campos a uma revisão geral de seus planos políticos. No âmbito do partido,
aumentou a divisão entre os grupos que ainda se mantinham na linha democrática e os que se dispunham a derrubar
o regime.

Campos, de sua parte, deixou a presidência do partido em 1957, em outubro do ano seguinte, elegeu-se senador por
Minas Gerais. Um de seus primeiros projetos, de novembro de 1960, tratava precisamente da reforma política.
Na campanha presidencial de 1960, a UDN faria sua derradeira aposta na ordem democrática, apoiando a
candidatura favorita de Jânio Quadros e indicando o candidato a vice em sua chapa, novamente Milton Campos.
Uma particularidade do sistema político brasileiro à época, a votação em separado para presidente e vice-presidente
permitiu que Jânio Quadro fosse eleito e que João Goulart, vice de outra chapa, derrotasse Campos.

Depois da derrota eleitoral, veio a renúncia de Jânio Quadros e instala-se a crise política. As forças de esquerda
imaginam que chegaram ao poder com o presidente João Goulart. Os liberais entram em crise, sem uma estratégia
comum para enfrentar o dilema político criado. Ao fundo, o auge da Guerra Fria e a revolução em Cuba.

Por alguns meses, o experimento do parlamentarismo oferece alguma perspectiva de estabilidade, mas seu
artificialismo é evidente. Em discurso de novembro de 1961 o senador Milton Campos ressaltava o dano ao
federalismo brasileiro causado pela redução da relevância do Senado. Ainda assim, na condição de senador, continua
trabalhando pela moderação das tensões e oferece em agosto de 1962 um projeto conciliador de reforma agrária. Ele
seria logo derrubado pela Câmara dos Deputados.

Como outros liberais brasileiros, Milton Campos resigna-se diante do clima de radicalização política e engaja-se na
conspiração que viram como a única alternativa para a salvação da democracia ? a intervenção militar. Milton Campos
participou ativamente das articulações que conduziram o Brasil ao golpe de 1964, que afastou João Goulart da
presidência.

Logo após a instalação do novo regime, Milton Campos assumiu o Ministério da Justiça, nomeado pelo presidente
Castelo Branco, confiante na natureza transitória da experiência militar e na manutenção do calendário eleitoral. As
ilusões terminam com a edição do Ato Institucional n. 2 e ele pede demissão do cargo logo em 1965.
Retorna ao Senado Federal, já filiado à Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido criado para dar sustentação
política ao regime, criado com a instalação do bipartidarismo. Em 1966, Milton Campos foi eleito pela segunda vez
para o Senado Federal.

Os tempos, porém, eram de radicalismo, entre as forças de esquerda e nos meios militares. Em poucos anos, a
esperança de uma rápida transição desapareceu e o autoritarismo reformador de Castelo Branco deu lugar à ditadura
aberta, respondida com a emergência da luta armada. Milton Campos recusa nomeações para o Supremo Tribunal
Federal e recolhe-se. Faz poucos discursos em seu segundo mandato, mas encontra ânimo, em novembro de 1969,
para condenar a fórmula para a sucessão de Costa e Silva. Falece no inicio do ano de 1972.
Naquele momento, a confiança dos liberais brasileiros e de homens como Milton Campos nos valores democráticos
parecia utópica, irrealista, quase ingênua. Hoje, com o reconhecimento geral da importância e do valor desses ideais,
seus discursos e suas obras podem ser lidos novamente com apreço e com orgulho.

Trabalhos Publicados
- Limites: Minas Gerais/Espírito Santo. Colaboração de Benedito Quintino dos Santos. Belo Horizonte, Imprensa Oficial
de Minas Gerais, 1946.
- Ensino da Língua Portuguesa nas Escolas Mineiras. Belo Horizonte, Imprensa Oficial, 1949.
- Compromisso Democrático. Belo Horizonte. Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais, 1951. 395 P.
- Estudo sobre o funcionamento dos Parlamentos da Grã-Bretanha, República Federal Alemã, França, Itália, Estados
Unidos da América, México e Peru. Colaboração de Nelson Carneiro. Brasília, Senado Federal, 1966.
- Testemunhos e Ensinamentos. Prefácio de Gontijo de Carvalho. Rio de Janeiro. J. Olympio, 1972. (Coleção
Documentos Brasileiros, 154).

Mandatos
Deputado Estadual - 1935 a 1937
Deputado Federal ?1946 a 1947
Governador - 1947 a 1951
Deputado Federal ?1955 a 1959
Senador - 1959 a 1964
Ministro da Justiça - 1964 a 1966
Senador - 1967 a 1972

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